Lei do Combustível do Futuro no Brasil: Entrevista com Deputado Moreira

Pontos Principais

Expectativa é que a legislação entre em vigor neste ano, após ser aprovada no Senado. Cerca de R$ 200 bilhões deverão ser movimentados até o final de década com produção de SAF, biodiesel e biometano para atender metas de descarbonização.

O Senado discute em ritmo acelerado o projeto de lei do Combustível do Futuro, que institui uma política de descarbonização da matriz energética brasileira.

Aprovada na Câmara dos Deputados em março, a nova legislação deve ser votada no próximo mês no Senado, última etapa necessária para sua aprovação.

A previsão é do deputado Alceu Moreira (MDB/RS), autor do projeto de lei. Caso tudo dê certo, as novas regras e metas para a substituição gradativa de combustíveis fósseis por produtos sustentáveis devem entrar em vigor neste ano.

Moreira esclarece, a seguir, os principais pontos da lei.

Lei do Combustível do Futuro no Brasil: Entrevista com Deputado Moreira

Deputado Alceu Moreira. Fonte: Jackson Ciceri/Divulgação.

A lei diz que haverá incentivos para a pesquisa, produção e comercialização do SAF, diesel verde e biometano. Trata-se de que tipo de incentivo?

O SAF, hoje, não tem tanta condição de ser comercializado porque ele custa mais caro do que o combustível atualmente utilizado na aviação. Ao mesmo tempo, todos sabem que essa é uma rota definitiva. Então, vamos precisar trabalhar com pesquisa, tecnologia e inovação para encontrarmos uma forma de produzir SAF de maneira competitiva, o que demanda investimentos. Isso vale também para o biometano e biodiesel.

Deverá haver um fundo verde, com recursos do governo e da iniciativa privada, voltado à inovação e desenvolvimento de combustíveis sustentáveis? 

Isso é perfeitamente possível. Mas precisamos ter alguns cuidados. Os fundos público-privados apresentam uma possiblidade de depois serem utilizados para outros setores, então é preciso cuidado. O fundo precisa ser especificamente para políticas que aprimorem o sistema de produção e utilização do combustível sustentável.

E como o fundo seria estruturado em relação a aportes das empresas?

Essa regulamentação ainda não existe. Uma legislação como essa, do combustível do futuro, trabalha as diretrizes. Na fase da regulamentação da lei, após sua aprovação, será trabalhado o arranjo produtivo dos setores envolvidos e o tempo necessário para o desenvolvimento dos produtos. Se a competitividade do produto depender de fatores como isenção tributária ou incentivo fiscal, por exemplo, o arranjo produtivo contemplará esses aspectos durante a regulamentação da lei.

Em relação ao SAF, a principal rota de produção deverá ser o etanol?

Não tenho dúvida disso. Há uma exigência tecnológica no modelo de produção que é avançada. Então, as plantas de etanol vão precisar fazer pesquisa e desenvolvimento para produzir SAF com uma maior qualidade, ganho de escala e competitividade. Mas não tenho dúvida de que a matéria-prima será a cana-de-açúcar. Já há inclusive milhares de hectares sendo plantados na Bahia com a finalidade de produzir SAF.

Biodiesel

O diesel verde está em uma categoria separada? Por quê?

Quando nós trabalhamos o combustível do futuro, não estamos trabalhando apenas o desenvolvimento de produtos “bio”. Também queremos vender uma imagem para o mundo em relação ao nosso compromisso agroambiental, sobre a matéria-prima produzida pelo agronegócio, que é essencialmente sustentável. O diesel verde representa muito mais um símbolo para ser vendido com apelo ambiental.

O senhor considera realista a meta de chegar a 20% da mistura do biodiesel no diesel em 2030, como prevê a lei?

Sim. Vamos esmagar, em algum momento, 20 milhões de toneladas de soja porque vamos produzir ao redor de 200 milhões de toneladas de soja, que é uma das principais matérias-primas do biodiesel. Se a safra estivesse normal, já estaríamos produzindo perto de 160 milhões de toneladas de soja. Então, 20% na mistura de diesel é algo bastante viável.

Depois de 2030, o percentual da mistura do biodiesel no diesel pode aumentar?

Não vai demorar muito e vamos começar a encontrar o B100, feito de óleo vegetal e gordura animal, em postos de gasolina. Em alguns lugares, como São Paulo e Mato Grosso, já vamos ter bombas de biodiesel nos postos. Vamos chegar a 30%, 40%, 50% da mistura depois de 2030 porque isso é parte inexorável do processo de descarbonização. O Brasil vai reduzir gradativamente a utilização de combustíveis fósseis e utilizar mais biocombustíveis.

Etanol

Sobre o etanol, a lei diz que o aumento da mistura deverá ser de 35%, enquanto as discussões no mercado giravam ao redor de um percentual de 30%. A intenção é deixar a lei já pronta para um avanço da mistura do anidro na gasolina no futuro?

Com certeza. A lei está trabalhando com um raciocínio de previsibilidade porque todas essas questões, de aumentos na mistura, exigem investimento do setor privado. É um arranjo produtivo que precisa ser construído. Quando falamos dessas misturas com valores mais altos, estamos colocando na lei a questão da previsibilidade.

Tudo o que os empresários precisam, em todos os setores dos biocombustíveis, é segurança jurídica e previsibilidade. É a partir daí que vamos desencadear um movimento de cerca de R$ 200 bilhões em cinco ou seis anos, que é volume calculado de investimento nas mais diversas rotas de produção de biocombustíveis.

Votação no Senado

E quando a lei deverá ser votada no Senado?

Tenho convicção que o projeto de lei deve sair do Senado da mesma forma como saiu da Câmara dos Deputados, sem modificações. Caso isso aconteça, temos condição de sancioná-lo já no próximo mês, o que deverá gerar um boom de desenvolvimento no país todo.

A lei deverá ser votada no Senado em maio então?

Com certeza. Há muito consenso. A lei teve apenas 19 votos contrário na Câmara e 429 votos a favor. Trata-se de uma política de Estado. O Brasil precisa fazer uma aposta nos biocombustíveis porque temos fontes para produzir essa energia, que é absolutamente limpa. Isso também gera uma mensagem para o mundo de compromisso ambiental e de sequestro de carbono.

Além disso, a matéria-prima para a produção dos biocombustíveis é de nosso domínio. A lei tem a ver também com autossuficiência. Se um dia algum país nos negar o direito de ter combustível, a nossa máquina continua funcionando naturalmente.

Carla Aranha