Adesão a Programas Ambientais Aumenta no Brasil

Pontos Principais

  • As áreas protegidas representam 33% do território brasileiro.
  • Cobertura vegetal aumenta 20 pp no Estado de São Paulo.
  • Até 2030, expansão de floresta em São Paulo, polo sucroalcooleiro, deve chegar a 30%.

Com uma área preservada de 282,8 milhões de hectares no meio rural, correspondentes a 33,2% do território nacional, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Brasil ocupa lugar de destaque no que diz respeito à agricultura sustentável. O país cultiva 8% de suas terras, ao mesmo tempo em que preserva cerca de metade de sua extensão territorial. De acordo com dados da NASA, a Alemanha cultiva 56,9% de seu território, seguida por países como o Reino Unido (63,9%) e Países Baixos (66,2%).

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Plantação de cana com reserva legal ao fundo

Mesmo assim, houve um aumento no desmatamento na Amazônia nos últimos 14 anos, passando de cerca de 5 mil quilômetros quadrados de floresta em 2008 para 10.781 mil quilômetros quadrados neste ano. “Há uma questão peculiar da Amazônia, com muitos posseiros e atividades criminais, não é o produtor rural que desmata”, diz o engenheiro agrônomo Kleber Wilson Marques, responsável técnico, especializado em licenciamento ambiental, da empresa Solução Elaboração de Projetos de Engenharia Ambiental.

Em entrevista ao Czapp, Marques comenta também sobre as crescentes demandas do mercado internacional por alimentos produzidos de forma sustentável. A boa notícia fica por conta do crescimento da cobertura de vegetação nativa no Estado de São Paulo, que aumentou quase 20 pontos percentuais nos últimos 20 anos. “O setor sucroalcooleiro tem uma grande participação na preservação ambiental, por proteger as reservas e investir na restauração das florestas”, afirma Marques.

Nesse cenário, projetos de sustentabilidade no campo vem ganhando destaque. Um bom exemplo é o programa VIVE — lançado pela Czarnikow em 2015, conta com 24 empresas parceiras em 14 países, incluindo o Brasil. Voltada ao setor sucroalcooleiro, a iniciativa já permitiu a comercialização mundial de mais de 274 mil toneladas métricas de açúcar fabricado em consonância com normas ESG.

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“Trata-se de uma tendência de mercado, já que os consumidores querem, cada vez mais, comprar alimentos de áreas sem problema ambiental”, explica Marques. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Regras de proteção ambiental no Brasil

Quais são os principais diferenciais da legislação ambiental brasileira em relação a de outros países?

A nossa legislação é muito mais restritiva do que a de outros lugares do mundo, como os Estados Unidos e a Europa, no que diz respeito à preservação. A nossa legislação ambiental teve início em 1934, o que deu início ao Código Florestal tal como o conhecemos hoje. O Código Florestal atual, que aborda a questão da reserva legal, foi elaborado em 1965, com todas as ferramentas de proteção. Desde então, ele passou por algumas alterações.

Quais foram as principais mudanças?

A mais antiga se deu em 1989. A lei de 1965 obrigava os proprietários a manter 20% de reserva legal. Mas o entendimento da época não incluía o bioma do cerrado, que é hoje o nosso grande celeiro agrícola. O Código Florestal falava mais de florestas e o cerrado não era entendido como uma floresta. Em 1989, houve uma alteração no Código Florestal, que passou a ter também no cerrado a obrigatoriedade de ter a reserva legal. Essa foi a maior mudança. Em 2012, o Código Florestal foi novamente atualizado. Ganhou um texto mais lúcido e mais claro. Além disso, pacificou alguns temas, como o das áreas consolidadas.

Você pode explicar melhor esse ponto?

As áreas consolidadas são todas as áreas de preservação permanente que estava sendo ocupadas com atividades agropastoris ou benfeitorias em um período anterior a 22 de Julho de 2008. Em 2012, o código obrigou os proprietários rurais a regularizar a questão das Áreas de Proteção Permanentes, as APPs, dessas ocupações antrópicas. O código criou limites e categorias de exploração. Tem regras também em relação ao curso d´água. Não pode mexer na vegetação a menos de 30 metros de cada margem do curso do rio, no caso do grande produtor. O pequeno proprietário precisa preservar uma faixa de pelo menos cinco metros. Já os proprietários maiores, que representam a grande maioria, precisam restaurar 100% das APPs.

Um dos principais entraves hoje a um avanço maior da preservação ambiental é a questão da regularização fundiária?

Sim. Em Estados como o Pará e o Mato Grosso existem muitas áreas com duplicidade de matrícula. Isso é uma questão fundiária grave, não se sabe quem é o proprietário. É preciso lembrar também que em 2001 o governo instituiu o georreferenciamento como uma obrigação legal. Hoje, grande parte das propriedades rurais, inclusive na Amazônia Legal, é georreferenciada. Essas informações são públicas. Estão disponíveis na plataforma do Incra. Com isso, é possível identificar o proprietário caso haja alguma ação não permitida naquela área.

Preservando a Amazônia

A falta de regularização fundiária é mais uma questão política, então?

Certamente. É muito mais política do que técnica. Existe muita ocupação por posse nas áreas que eu citei. São áreas muito grandes, de 20, 30 mil hectares. Tem muito posseiro, são áreas invadidas. A grande dificuldade é identificar quem tem realizado crime ambiental. Fora do Brasil, muitas vezes as pessoas têm a imagem de que, quando há algum problema ambiental na Amazônia, como queimadas, há impactos no Sudeste, onde fica o polo sucroalcooleiro, mas as distâncias são enormes.

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Fonte: Frente parlamentar da agropecuária

Voltando a falar sobre a reserva legal, há porcentagens específicas de preservação por bioma, não? Na Amazônia, por exemplo, é maior.

Depende do bioma e do tipo de vegetação. Nas áreas de floresta, o percentual de preservação varia de 20% a 80%. Na Amazônia, 80% das áreas de florestas têm que ser preservadas. Na vegetação do cerrado no bioma Amazônia, é 35%.

Principalmente fora do Brasil, há uma ideia de que o produtor rural é responsável pelos problemas ambientais. Você concorda com isso?

Não. O Brasil foi descoberto em 1500 e a partir daí vieram as ocupações territoriais. Grande parte das florestas foi suprimida com o uso do fogo, mesmo porque não tinha máquinas para preparar a terra. A ocupação muitas vezes foi incentivada pelo governo. Mas, ao longo do tempo, a legislação ambiental foi mudando.

Não existe uma questão de extração ilegal de madeira e minérios na Amazônia?

Sim. Trata-se de atividades criminosas, com as quais o produtor rural não está envolvido. O produtor rural não faz exploração ilegal de madeira, ele quer produzir, isso é feito pelos posseiros que ocupam essas áreas. Esse é o problema. São organizações criminosas.

E qual o papel das ferramentas de geoprocessamento para o combate ao desmatamento?

Com essas ferramentas, é possível reconhecer várias características topográficas e de preservação ambiental das propriedades rurais. Hoje, existe uma plataforma de gestão e controle ambiental muito aprimorada. O Brasil tem um nível de informação muito alto sobre áreas de preservação, delimitações das propriedades rurais e de multas que o produtor rural tenha recebido. São informações públicas, disponíveis nas plataformas do Ibama e do Incra, entre outros órgãos públicos. Poucos países têm esse nível de informação.

Regularização ambiental

Em relação à legislação brasileira, é permitido inclusive manter a reserva legal em um local fora da propriedade rural em questão, não? Em que casos isso acontece?

Existe a obrigação de manter uma reserva legal, mas a propriedade rural já pode estar totalmente focada na agricultura. A legislação permite que se faça a compensação em outro local, de acordo com algumas regras. A compensação tem que ser feita no mesmo bioma da propriedade. A legislação ambiental instituiu duas ferramentas importantes, uma delas é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que nada mais é do que um diagnóstico da propriedade, na questão ambiental. O CAR indica para o governo e o proprietário quais são as eventuais desconformidades ambientais do imóvel rural. E tem uma segunda ferramenta que é o Programa de Regularização Ambiental, o PRA.

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Fonte: Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Qual é a função do PRA?

É regularizar desconformidades que foram identificadas no CAR. Agora, estamos na fase de regularizar as propriedades rurais na questão ambiental. E alguns Estados têm regras próprias sobre a preservação, ainda mais rígidas. No Estado de São Paulo, é proibido suprimir área de Mata Atlântica. Tem outra coisa que pouca gente sabe. Em relação às árvores isoladas da propriedade rural, elas podem ser utilizadas dentro da propriedade, em São Paulo, para fazer móveis e outras coisas para uso próprio. Mas é permitido o corte de até dez árvores nativas, no máximo. Não podem ser árvores em extinção e a madeira não pode ser comercializada. E precisa de uma autorização para derrubar essas árvores.

Esses documentos e registros, seja o CAR ou autorizações para mexer em árvores, são necessários até para obtenção de crédito e para conseguir exportar, não?

Sim, tudo isso é exigido. Sem o CAR, não se consegue acesso a linhas de créditos oficiais, que oferecem juros subsidiados. A efetivação da regularização ambiental no Brasil não vai ser necessariamente vinculada à exigência legal. O mercado é que vai exigir que isso aconteça.

Isso já está acontecendo, não?

Está sim. Hoje, o mercado já exige o CAR. No curto prazo, deverá exigir também o PRA.

E por que existe uma diferença entre o número de registros de propriedades no CAR e a análise realizada? Muitas vezes, há uma diferença grande, que varia de Estado para Estado.

É porque os órgãos encarregados de realizar as análises em geral contam com poucos funcionários. Em alguns Estados, o processo caminha mais rápido porque há mais agilidade dos órgãos públicos.

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As demandas do mercado internacional em relação a políticas de preservação têm crescido, não? A nova lei da União Europeia que barra importações de alimentos de áreas desmatadas é um exemplo disso?

Certamente. Hoje, grandes frigoríficos, por exemplo, não compram carne que veio de áreas com problemas ambientais porque, entre outras coisas, teriam dificuldades para exportar. O Brasil alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo. Esses consumidores querem comprar produtos de áreas sem problema ambiental.

Em alguns Estados, a preservação ambiental aumentou?

Sim, é o caso de São Paulo. Dados do Instituto Florestal do Estado de São Paulo mostram que no ano 2000 havia apenas 3% de cobertura de vegetação nativa. Isso melhorou bastante. Em 2020, essa porcentagem chegou a 22,9%. O setor sucroalcooleiro teve uma grande participação na preservação ambiental, por proteger as reservas e investir na restauração das florestas. Esse acréscimo se deu em todos os biomas do Estado. Hoje, 5.670 milhões de hectares estão cobertos por vegetação nativa em São Paulo. Os agricultores têm colaborado muito com esse incremento de vegetação nativa, algo que pouca gente fala.

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Fonte: Instituto Florestal

Nesse ritmo de aumento de cobertura vegetal, em dez anos deve chegar a quanto?

Deve se estabilizar em 30% da área do Estado. Isso porque deve haver algum acréscimo de área preservada em função de investimentos em regularização da preservação ambiental.

O Brasil precisa comunicar melhor essas conquistas?

É uma questão de gestão da informação. Falta propagar as informações positivas. Individualmente, o produtor rural não faz isso. A unidade sucroalcooleira faz isso eventualmente, de uma maneira localizada. O que falta são trabalhos na grande mídia, feitos por meio de associações do meio rural.

Quer saber mais sobre o programa VIVE e sustentabilidade? Entre em contato com Felipe Serafim, fserafim@czarnikow.com. 

Carla Aranha