Pontos Principais

  • Brasil se dedica ao desenvolvimento da canola tropical.
  • A canola é a terceira oleaginosa mais produzida no mundo.
  • O país deve aumentar a produção e começar as exportações em 5 anos.

Não faltam motivos para o Brasil investir na canola. Terceira oleaginosa mais produzida no mundo, atrás somente da soja e da palma de óleo, a canola segue com a demanda em alta para o consumo humano, na forma de óleo, por características como o baixo teor de gordura saturada e a presença de ômega 3 e vitamina E. Além disso, a estabilidade do óleo e altos índices de ácidos graxos facilitam a fabricação de biodiesel, cujo mercado segue em ascensão.

A produção do biocombustível aumentou cerca de 6% no ano passado, globalmente, alcançando 9,1 milhões de litros, em comparação a 2022, segundo a Agência Internacional de Energia. Até 2027, a demanda por biodiesel deve crescer mais de 20%.

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Na alimentação, o óleo de canola está presente em uma série de produtos, que vão de molhos e massas à ração animal. As mil e uma utilidades da canola têm favorecido os preços no mercado internacional, que vêm acompanhando os da soja – eis aí um outro atrativo para o cultivo do grão.

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Fonte: Bloomberg/Banco Mundial

Até agora, o Brasil teve pouca participação na produção mundial de canola, embora o cultivo venha aumentando. No ano passado, o país produziu 96,2 mil toneladas do grão, 75% a mais do que em 2021, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) – 90% da lavoura está concentrada no Sul.

Ainda é muito pouco se comparado com países como a Índia, que colheu 11 milhões de toneladas de canola em 2022, e a União Europeia, campeã, com 19,5 milhões de toneladas, segundo o USDA. “O Brasil ainda precisa importar óleo de canola, que é uma planta originada no hemisfério Norte, em climas temperados, mas pretendemos mudar essa realidade”, diz Bruno Laviola, chefe-adjunto de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Agroenergia.

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Fonte: Comex

O objetivo é desenvolver cultivares da canola tropical, adaptada às condições do Cerrado, onde são produzidas quase 180 milhões de toneladas de grãos por ano, da mesma forma como foi feito com o trigo. As pesquisas, que começaram há vinte anos, ganharam fôlego extra a partir de 2015, com o avanço dos testes de campo. O melhoramento genético, obtido por meio do cruzamento de sementes de países como a Austrália, Estados Unidos e Canadá, vem produzindo uma canola mais resistente à seca e ao alumínio, elemento tóxico presente no solo do Cerrado. Os testes continuam visando a seleção das melhores sementes, que devem chegar ao mercado em dois ou três anos.

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Flor da canola: Embrapa investe em tropicalização da planta. Foto divulgação.

Em cinco anos, o país deverá cultivar 1,4 milhão de toneladas de canola, permitindo suprir a demanda interna e começar a exportar. A ideia é produzir canola na chamada safrinha, nos intervalos do plantio de soja, sem expandir a área utilizada para a agricultura.

Alguns produtores rurais já vêm investindo na canola no Cerrado, utilizado técnicas de cultivo adaptadas às condições locais, com o uso de palhada, para proteger o solo, e um maior espaçamento de plantio. O produtor rural Gabriel Pandolfo da Motta, do Distrito Federal, começou a plantar canola em 2021. Neste ano, a expectativa é colher 70 toneladas. “Tanto a produção como a produtividade devem crescer muito e ainda há o atrativo do preço, que é bem interessante”, diz.

Leia, a seguir, a entrevista com Bruno Laviola, da Embrapa, e saiba mais sobre a canola tropical:

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Bruno Laviola, da Embrapa. Foto divulgação Embrapa.

Como estão as pesquisas sobre a canola tropical e qual é o maior objetivo?

O Brasil pode se tornar o maior produtor mundial de canola sem necessidade de expandir um único hectare. Isso porque estamos desenvolvendo a canola tropical para a agricultura de segunda safra. Vamos aproveitar apenas as áreas que já estão cultivadas hoje no Brasil.

A canola deve ser cultivada em que período do ano no Cerrado?

Em novembro, começa a semeadura da soja e no final de fevereiro ou início de março tem início o período da colheita. Depois disso, ele pode plantar a canola. Ela seria colhida em julho. Hoje, o Brasil cultiva cerca de 42 milhões de hectares de soja. A canola pode ser opção para pelo menos 10% a 20% da área cultivada com soja. São quase 8,5 milhões de hectares que podem ser explorados com a canola, tornando o Brasil um dos maiores produtores mundiais de canola. No Brasil, diferentemente do que ocorre em países de clima temperado, conseguimos de duas a três safras por ano.

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Fonte: Conab

A canola melhora a condição do solo e ajuda a controlar a incidência de certas pragas, não?

Sim. Diminui a propagação de algumas pragas. A canola tem um sistema de raízes mais profundo do que o milho, então ela recupera nutrientes em camadas mais profundas. É uma cultura que tem uma decomposição que facilita a liberação de nutrientes, o que colabora para a cultura da soja. Ela também pode ser utilizada junto com a produção de mel, já que no momento do florescimento da planta há uma grande população de abelhas. E as abelhas aumentam em até 30% a produtividade da canola. Então, é uma opção bem interessante para diferentes sistemas.

Como a canola ajuda a controlar a incidência de pragas?

Primeiro, vamos lembrar que hoje os nematoides são o grande problema da soja no Brasil. O país perde cerca de R$ 65 bilhões por ano por causa da incidência de nematoide na soja. A canola não é hospedeira de nematoide e pode ajudar a controlar a praga. Fizemos uma série de estudos com o extrato da folha da canola e vimos que ajudou a controlar o nematoide. Há compostos químicos na canola que diminuem o desenvolvimento do nematoide no solo.

Em relação ao cultivo da canola, há a questão dos preços internacionais que estão em alta, não? Isso pode ser um atrativo para o agricultor brasileiro investir na canola tropical?

O preço da saca da canola acompanha o preço da soja. Então, é uma opção bem rentável. Com o tamanho da área de cultivo de grãos no Brasil, podemos passar grandes produtores de canola. O Canadá, o maior produtor mundial, planta hoje cerca de 9 milhões de hectares de canola. Se o Brasil utilizar 20% da área de soja para plantar canola, já chegaria próximo à área plantada hoje no Canadá.

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Fonte: USDA

E por que os preços da canola acompanham os da soja?

No que se refere a óleo para consumo humano, o óleo de canola é hoje um padrão, principalmente na Europa e países como a Austrália. Para a saúde humana, o óleo de canola é melhor do que o óleo de soja. Em termos de produção no mundo, o que se produz mais é o dendê ou palma de óleo e, em segundo lugar, o óleo de soja. Em terceiro lugar, vem a canola. É uma commodity muito utilizada mundialmente. Isso ajuda a explicar o preço favorável da canola.

O óleo de canola também pode ser transformado em biodiesel, não?

A canola produzida no Brasil tem uma posição privilegiada porque aqui não precisamos de novas áreas de agricultura, podemos plantar em áreas que já cultivadas. Não gera pressão para florestas ou impactos ambientais. Sobre a fabricação de biodiesel, a composição química da canola e mais especificamente seus ácidos graxos são muito interessantes para a conversão para biodiesel.

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Fonte: USDA

A canola tropical é irrigada?

Ela pode ser produzida com ou sem irrigação. Com irrigação, a produtividade é superior, como acontece com outras culturas. Mas o trabalho de pesquisa que estamos desenvolvendo é para a canola ser produzida sem irrigação.

Quando as pesquisas tiveram início?

As pesquisas de tropicalização da canola começaram há uns 20 anos. Em 2015, começamos um trabalho para adaptar geneticamente a canola para o Cerrado. Paralelamente, começamos a adaptar as condições de cultivo para o clima tropical. A de demanda por nutriente, a resistência a pragas e o período de plantio são diferentes. Precisamos também tropicalizar o sistema de cultivo para produzir canola no Cerrado.

Em termos de adaptação genética, o que foi feito?

Primeiro avaliamos o material genético internacional para identificar aqueles mais propícios ao Cerrado e a partir daí fizemos um cruzamento entre as plantas. Depois, começamos a selecionar aquelas que são mais produtivas e adaptadas às condições do Cerrado. Foram utilizadas sementes de diversos países e locais do mundo, como Austrália, Estados Unidos, Canadá, Europa.

Daqui a quanto tempo o Brasil deverá produzir a canola tropical em larga escala?

O agricultor já começou a cultivar a canola tropical. Acompanhamos alguns agricultores do Distrito Federal que começaram a plantar a canola em 2021 em bases comerciais. Temos informações também de produtores rurais de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia. Ainda são áreas pequenas, para adquirir uma maturidade. Daqui a dois ou três anos, daremos um salto de produção com o lançamento de novos cultivares.

Em quanto tempo o Brasil deve se tornar um grande produtor de canola?

É difícil precisar, mas em cinco anos o Brasil deve se tornar autossuficiente e começar a exportar, produzindo canola em cerca de 1 milhão de hectares. No caso do trigo, vamos passar da condição de importador para exportador graças ao mesmo processo de tropicalização. No ano passado, o Brasil cultivou em torno de 50 a 60 mil hectares de canola, sem ser a tropical. Mas já é um avanço em relação a 2021, em que a canola foi produzida em cerca de 35 mil hectares. Cerca de 90% da produção está concentrada na região Sul. A expectativa é chegar a 100 mil hectares nessa safra. Ainda é uma área pequena, mas está crescendo.

E há novos mercados para o óleo de canola?

Sim. O óleo de canola serve para produzir biodiesel e combustível verde para aviação, por exemplo, que seguem em alta. A canola funciona como uma opção para poder diversificar as fontes para biocombustíveis. O biodiesel no ano passado consumiu em torno de 7 bilhões de litros. Se o Brasil tivesse 20% da área plantada da safrinha com canola, daria para suprir 50% da produção de biodiesel.

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Fonte: IEA

Quais são os desafios da tropicalização da canola?

Os cultivares de canola foram desenvolvidos, no passado, em países de clima temperado e subtropical, em que o solo fica debaixo do gelo durante alguns meses. É bem diferente das condições climáticas e do solo do Cerrado, rico em alumínio, prejudicial à agricultura, e pobre em fósforo. Com o uso de tecnologia, corrigimos essas questões e transformamos o Cerrado nas últimas décadas, mas ainda há desafios. Sobre a canola, é importante que ela seja mais tolerante ao alumínio. Também há a questão do clima seco. Nesse sentido, estamos aprofundando o sistema de raízes da planta para que ela fique mais resistente à seca. Mas também há alumínio nas camadas mais profundas do solo.

E como é possível resolver esse problema?

Estamos fazendo diversos de teste e observando as plantas mais produtivas. Em muitos experimentos, tiramos as plantas do solo para observar o sistema radicular. Queremos as plantas mais resistentes ao alumínio e à seca. Também é preciso tropicalizar o sistema de cultivo, especialmente no que diz respeito às correções de solo necessárias para aumentar a produtividade da canola. Estamos olhando para os bioinsumos, principalmente aqueles à base de microrganismos. Eles melhoram a eficiência da aplicação de nutrientes.

Carla Aranha

Carla ingressou na Czarnikow em 2022, tendo trabalhado anteriormente na Exame e no Valor, principais veículos de mídia econômica no Brasil, onde desenvolveu projetos e cobertura de notícias com foco no agronegócio e nos mercados de commodities. Carla é responsável por escrever conteúdo, fornecer temas interessantes para artigos e relatórios, bem como produzir comunicados de imprensa em conjunto com a equipe de marketing.

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