Pontos Principais

O Brasil está emergindo como líder global em biofertilizantes. Pesquisas de Mariangela Hungria ajudaram a impulsionar essa mudança, utilizando microrganismos para aumentar a produtividade e reduzir o uso de produtos químicos. Em reconhecimento ao seu trabalho, ela recebeu recentemente o World Food Prize.

Pesquisadora Brasileira é Premiada por Trabalho com Biofertilizantes

Considerada uma das precursoras mundiais nos estudos sobre o papel dos microrganismos no desenvolvimento das plantas, a pesquisadora Mariangela Hungria recebeu em maio o prêmio World Food Prize, conhecido como o Nobel da agricultura.

Criado em 1986 pelo engenheiro agrônomo Norman Bourlag, conhecido por seus trabalhos de combate à fome, o prêmio reconhece anualmente cientistas que contribuem para o melhoramento da agricultura.

O trabalho de Mariangela, que é pesquisadora da Embrapa, levou à criação de uma série de biofertilizantes à base de microrganismos. Além de substituir similares químicos, esses produtos ajudam as plantas a absorverem nutrientes. Com isso, há um aumento da produtividade.

Hoje, o agricultor brasileiro consome, por ano, mais de 200 milhões de doses de biofertilizantes — um aumento de 456% comparado há dez anos, segundo a Associação Nacional de Promoção e Inovação da Indústria de Biológicos (AnpiiBio).

Fonte: Anpiibio

“São produtos que contribuem para a sustentabilidade ao melhorar a saúde do solo e a qualidade dos alimentos”, diz Mariangela em entrevista ao CZ app.

Mariangela Hungria. Foto: divulgação/Embrapa.

Qual é a importância do prêmio? 

Todo um universo de pesquisa ligado ao meu trabalho obteve reconhecimento através dessa premiação. O prêmio também vai ser muito positivo para divulgar no exterior a imagem de que o Brasil tem sustentabilidade na agricultura.

Como surgiu o seu interesse pela pesquisa relacionada à agricultura? 

A minha avó era professora de ciências e me explicava muita coisa. Com oito anos, decidi estudar microbiologia depois de ler um livro, que ela me deu, sobre esse assunto. Meu sonho era estudar a produção de alimentos para ajudar as pessoas a não passarem fome.

Fiz faculdade de agronomia, numa época em que a profissão era menos valorizada e era muito masculina. Para ajudar na produção de alimentos, era essa faculdade que eu tinha que cursar.

Na época, nos anos 70, o principal raciocínio é que não se conseguiria fazer agricultura de larga escala com insumos biológicos. Mas eu sempre tive a convicção de que a produção de alimentos em grande escala com bioinsumos era um caminho possível.

A ideia era obter ganho de escala com os bioinsumos inclusive para o cultivo de grãos?

Exatamente. Comecei a trabalhar na Embrapa em 1982, primeiro com feijão e depois com soja, milho e trigo. Mais recentemente, demos início às pesquisas sobre bioinsumos para a braquiária, uma gramínea comum em pastagens.

A ênfase das pesquisas sempre foi sobre microrganismos com propriedades como a fixação biológica de nitrogênio e a solubilização de fosfatos. Esses microrganismos são fundamentais para o desenvolvimento da planta e ajudam a aumentar a produtividade da lavoura.

Por que o uso de bioinsumos favorece o aumento da produtividade?

Inicialmente, é bom lembrar que nossa meta era que a produtividade fornecida a partir do uso de fertilizantes biológicos fosse igual ou maior do que a oferecida pelos produtos químicos. Fizemos isso para conseguir que os agricultores usassem os biofertilizantes.

Hoje, os fertilizantes biológicos são utilizados em grande parte da área plantada de soja, por exemplo, com bons resultados.

Fonte: Conab

Também é preciso lembrar que os insumos biológicos representam milhões de anos de evolução da planta com os microrganismos. Esse casamento entre a planta e os microrganismos produz sementes de alta qualidade.

Nós selecionamos os microrganismos mais eficazes. Na planta, isso se traduz em um maior teor de proteína, por exemplo. No trigo, observamos melhores índices de panificação, obtidos a partir de farinhas de melhor qualidade.

E ainda tem a questão de que o Brasil importa a maior parte dos fertilizantes e defensivos que utiliza, não? 

Sim, importamos cerca de 85% dos insumos que utilizamos. Um dos nossos objetivos é, com o tempo, substituir os produtos químicos por biológicos, que produzimos aqui no Brasil. No início da guerra na Ucrânia, tivemos inclusive um problema porque o preço aumentou muito em 2022 e houve uma preocupação com o fornecimento, já que a Ucrânia e a Rússia são grandes produtoras mundiais.

Fonte: Comex

É importante lembrar também que o uso de produtos biológicos proporciona um solo mais saudável, uma menor emissão de gases do efeito estufa e alimentos de melhor qualidade.

E por que isso acontece? 

A planta evolui no sentido da preservação da espécie. E os microrganismos têm um papel nisso. Elas colaboram para a produção de plantas mais adaptadas e com melhores sementes.

A fixação de nitrogênio feita por bactérias é um exemplo dessa evolução?

Sim, o nitrogênio captado pelas bactérias no ar é transformado em amônia, que por sua vez dá origem a aminoácidos e nitratos. Essas substâncias ajudam a planta a crescer. O teor de proteína da planta também tende a ser maior.

Outro ponto importante é que o nitrogênio captado pela bactéria atua diretamente no processo de formação dos grãos. Isso acontece há milhões de anos.

Já o nitrogênio proporcionado pelo fertilizante químico vai primeiro para a folha e só depois para o grão, com perdas ao longo do caminho.

Isso acontece porque a planta não evoluiu junto com o fertilizante químico. O processo de evolução aconteceu com a bactéria. Por isso, os processos biológicos são mais eficientes.

E como começaram as pesquisas com fertilizantes biológicos para a soja? 

Tivemos a sorte de termos bons microbiologistas no Brasil quando a produção de soja começou a crescer. Investimos na fixação biológica de nitrogênio. Então, a soja brasileira hoje fixa muito nitrogênio.

Tivemos a sorte de termos bons microbiologistas no Brasil quando a produção de soja começou a crescer. Investimos na fixação biológica de nitrogênio. Então, a soja brasileira hoje fixa muito nitrogênio.

Mas é bom lembrar que, atualmente, as questões de produtividade da soja têm muito a ver com a adoção de tecnologia. Atingimos um platô de produtividade no Brasil. Temos que investir em tecnologia para aumentar a produtividade. Vamos chegar lá, até porque próximos anos, várias ferramentas de inteligência artificial vão se tornar muito mais acessíveis.

Fonte: Comex

Os microrganismos também podem ajudar a aumentar a tolerância à seca? 

Sim. Colegas nossos estudaram o mandacaru, da caatinga, que pode sobreviver até dois anos sem água. Descobriram que a bactéria Bacillus aryabhattai, encontrada no mandacaru, pode ajudar a criar barreiras de proteção nas raízes. Já foi lançado inclusive um bioinsumo feito a partir dessa bactéria.

Há várias frentes de pesquisa nessa área, até porque as mudanças climáticas representam uma questão importante para a agricultura.

Esses microrganismos podem ser utilizados para espécies que não são da caatinga? 

Já existe registro de uso desses microrganismos para o milho, por exemplo. Vamos lembrar que temos uma biodiversidade fantástica e conhecemos só uma pequena parte dela. Podemos procurar soluções na nossa biodiversidade.

Então, há muito ainda o que se pesquisar sobre insumos biológicos? 

Sim, muito. Também há muito mercado. Hoje, somos os líderes no uso de bioinsumos na agricultura. Mas os agricultores ainda usam muitos produtos químicos. Temos muito a crescer em relação aos biológicos.

Source: McKinsey

Com a pandemia e depois a guerra da Rússia com a Ucrânia, isso começou a mudar um pouco. Na pandemia, as importações ficaram mais complicadas e a guerra da Ucrânia assustou os agricultores.

O Brasil importa muitos fertilizantes da Rússia e a guerra dificultou a chegada desses produtos aqui. Os produtores rurais começaram a testar mais os biológicos desde então.

Source: Comex

Você pode falar sobre novas linhas de pesquisa sobre insumos biológicos? 

Estamos investindo muito em gramíneas utilizadas em pastagens. Gostaria de terminar a minha carreira com estudos sobre pastagens, que é o nosso maior passivo ambiental. Cerca de 60% das pastagens estão em algum estágio de degradação e podem ser revertidas para a agricultura.

Temos tido resultados que mostram que os produtos biológicos são muito úteis nas pastagens. Os microrganismos ajudam a recuperar o solo de forma mais eficiente, inclusive com reciclagem de nutrientes e construção de matéria orgânica. Quero deixar esse legado.

Carla Aranha

Carla joined CZ in 2022 having previously worked at Exame and Valor, leading economic media outlets in Brazil, where she developed projects and news coverage focusing on the agribusiness and commodities markets. Carla is responsible for writing content, providing interesting article´s subjects and reports as well as producing press releases together with the marketing team.

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